sábado, 26 de março de 2011

Presença de mulheres no governo esbarra no machismo dos partidos da base, diz ministra


Iriny Lopes daria início ao seu terceiro mandato como deputada federal pelo Espírito Santo este ano não tivesse sido escolhida pela presidenta Dilma Rousseff para ocupar a Secretaria de Política para as Mulheres, seu primeiro cargo no Executivo. Como ministra de Estado do ministério mais feminino da Esplanada – há 125 funcionários, dos quais 95 são mulheres -, ela é a principal conselheira da presidente Dilma para assuntos de gênero, dentro e fora do governo federal.
Mineira de Lima Duarte, município de 16 mil habitantes na Zona da Mata, casada, mãe de três e avó de dois, Iriny construiu uma carreira política no PT ligada a direitos humanos. Sua luta contra o crime organizado no Espírito Santo – estado que escolheu ainda jovem para se estabelecer – rendeu-lhe seis anos de vida sob escolta policial. “Lógico que eu tinha medo. Por mim e por minha família”, diz a ministra, uma mulher de 55 anos, tipo mignon, sem vestígio de maquiagem evidente no rosto, que não tem a menor intenção de ser vista como uma feminista de plantão.
Em entrevista aoMulher 7×7, Iriny afirmou que o governo federal sozinho não pode mudar a realidade da mulher no Brasil. Destacou o papel da iniciativa privada e criticou ainda os partidos políticos: “Ninguém poderá dizer que a presidenta Dilma não colocou mais mulheres no governo”, diz. “As pessoas terão que perguntar aos presidentes dos partidos quantas mulheres eles vão indicar para os cargos de segundo, terceiro, quarto e quinto escalões que estão aí para ser montados”.
Mulher7x7 - Em 2014, que metas a senhora gostaria de ter atingido como ministra de política para as mulheres?
Iriny Lopes - O Brasil é um país, queiram ou não os pessimistas de plantão, que vem conseguindo enfrentar suas dificuldades e vem se desenvolvendo num modelo que enfrenta as desigualdades regionais e que está voltado para os mais pobres. Dentro dessa perspectiva, o que espero para 2014 é que, nesse modelo de desenvolvimento, mais mulheres sejam atendidas. Em parte pelo governo, mas em parte pela iniciativa privada, porque nem todas as mudanças podem ser feitas pelo governo. A sociedade tem que fazer a sua parte. Eu espero ver mecanismos consistentes que garantam autonomia econômica e financeira e, portanto, social e cultural às mulheres e, em especial, as que estão dentro da chamada linha de pobreza e da miséria. Precisamos também combater o preconceito. As brasileiras têm mais tempo de estudo do que os homens, comprovadamente, e o número de mulheres que saem com seus diplomas do terceiro grau e do curso universitário também é maior do que os homens, no entanto, as mulheres são em menor número no emprego formal. Elas têm salários mais baixos e estão menos presentes nos cargos de chefia. Está colocado com todas as letras, que não adianta diploma nem qualificação. É lógico que tem discriminação contra as mulheres.
Uma pesquisadora da London School of Economics divulgou um estudo no qual sustenta que, na Inglaterra, as diferenças de acesso de mulheres e homens aos cargos de chefia deve-se ao fato de que as mulheres, na verdade, não almejam isso. A senhora acredita que isso possa estar acontecendo no Brasil?
Sim, pode ter mulheres que não almejem isso, mas querem um ambiente de trabalho seguro, com salário adequado ao seu desempenho, idêntico ao dos homens para a mesma função e não querem chegar ao cargo de chefia. Mas não se pode generalizar. Tem muitas mulheres que não conseguem chegar lá porque são mulheres. E isso não pode acontecer.
De todos os problemas enfrentados pelas brasileiras, a senhora considera a do mercado de trabalho a mais importante
Autonomia no mundo do trabalho é central para dar dignidade, inclusive para se fortalecer e enfrentar outros aspectos da desigualdade feminina como o turismo sexual, forte no Brasil, e o tráfico de mulheres, um problema no mundo todo. Uma mulher que tenha boa condição de acesso a emprego e renda fica menos vulnerável. É verdade que temos que intensificar o combate às organizações criminosas responsáveis pelo tráfico de mulheres. Não é uma solução que dependa só do Brasil. Essas redes criminosas são internacionais. Uma parte da solução é esse enfrentamento.
Falta ainda humanizar o serviço de atendimento às vítimas do tráfico, que voltam emocionalmente e fisicamente estraçalhadas. Elas precisam ser recebidas não como alguém que está chegando de uma viagem ao exterior, mas como pessoas que passaram por escravidão, abusos sexuais, psicológicos e financeiros.  Na ONU estamos tratando de acordos bilaterais para identificar essas mulheres, para que elas retornem aos seus países com segurança. Precisamos também criar oportunidades de estudo e trabalho para essas pessoas.
Que tipos de pedidos pessoais a senhora recebe?
De mulheres que estão chegando ao Brasil, muitas fugiram e tiveram que deixar seus filhos por serem cidadãos de outros países. Estamos pautando isso na ONU para ser discutido.  É um caso recorrente. Mulheres com medo de morrer porque o nível de agressão era muito alto. Aqui no Brasil em geral são mulheres muito pobres, com filhos viciados, e que buscam alternativa. Aí são as avós de 39 anos, 42 anos…Os pedidos que recebo nas ruas, em atividades públicas, sempre vêm com um pequeno currículo. A maior parte pede emprego.
A senhora se considera feminista?
Eu sou uma pessoa profundamente ligada à luta das mulheres. Não gosto muito de rótulos. Gosto de compromissos. A militância pelos direitos humanos é um compromisso de vida. Tem muitos aspectos do feminismo absolutamente positivos e outros que considero superados, embora a causa das mulheres não esteja resolvida em lugar nenhum do mundo, muito menos no Brasil. A busca de igualdade das mulheres é um dever de casa do planeta.
A presidenta Dilma lhe fez algum pedido especial ao convidá-la para o cargo?
A recomendação é contribuir com sugestões, propostas e estudos para enfrentar decisivamente a miséria. A presidenta tem a plena convicção de que entre os miseráveis grande parte são mulheres.
O fato de termos uma mulher na presidência vai dar um gás nas políticas voltadas para as mulheres?
Aumenta a expectativa, isso é certo. O governo Lula fez muita diferença. Constituir a secretaria já foi um marco. Na reunião da ONU, há três semanas, quando tive uma conversa razoavelmente longa com a Michelle Bachelet, percebi que avançamos. Me senti sob um aspecto confortável e sob outro, desafiada. Estou convencida de que o governo tem que criar um organismo para institucionalizar a inter-setorialidade que o tema gênero precisa ter, em todas as instâncias do governo. Porque não tem como, em lugar nenhum do planeta, você tornar um ministério como o nosso num ministério-fim. Eu não posso pegar a educação dirigida à mulher e colocar a aqui, a saúde da mulher e trazer para cá. As políticas desta secretaria permeiam todos os ministérios. Essa é a intersetorialidade. Por isso quero chegar em 2014 tendo certeza de que essa função se institucionalizou. Hoje temos comitês, núcleos, que funcionam mais ou menos a depender da dinâmica que se estabeleça dentro daquele ministério. E eu vou te dizer que não tem grandes experiências no mundo concluídas sobre isso não. O Brasil vai ousar fazer isso.
Qual é a proposta para definir bem essa política de gênero?
Talvez um fórum que se dirija à própria presidenta com representantes dos ministérios que interessem à política de gênero.  Neste momento, estamos tratando dessa construção. A presidenta Dilma trabalha com a idéia de fóruns consultivos. Daqui a uns dias, ainda neste mês, será constituído o Fórum de Direitos se Cidadania, mas ele não faz  interface com todos que têm que cuidar das questões das mulheres. Vamos fazer uma proposta. Mas não só dentro do governo federal. O governo federal elabora as políticas, destina recursos no Orçamento para os programas e estabelece os convênios com governos do Estado e dos municípios. A execução, na grande maioria, não está sob responsabilidade do governo federal.
Vários programas governamentais e obras financiadas pelo BNDES já incorporaram exigências quanto a conteúdo nacional e geração de emprego. Por que não incluir  também política para as mulheres?
Já tem o programa pró-equidade, que a presidente Dilma começou como ministra de Minas e Energia. Nós ampliamos, criamos um prêmio, que vai para a quarta edição em 2012. Acontece de dois em dois anos. Mas queremos sair do público para as empresas privadas. Na iniciativa privada está o grosso dos trabalhadoras.
Isso vale também para a presença de mulheres no governo federal?
Principalmente. Estamos começando a tratar disso. Não posso avançar muito ainda porque está embrionário, porque não tem modelo para copiar.
O governo federal não deveria dar o exemplo?
Dar o exemplo não. Essa é uma responsabilidade que temos que incorporar e responder. Um país em desenvolvimento, um país que está superando tantos desafios tem que superar isso também. Elegeu a primeira presidenta da história e o governo chefiado por ela tem que entender a questão do gênero como central e responder, o que não dá para fazer em 60 dias de governo. Já é positivo ter o tema como pauta interna. Preocupação a presidentatem, tanto que procurou estabelecer isso no primeiro escalão, negociando obviamente com quem tem que negociar. Mudanças de gênero não será tarefa exclusiva do governo. Por exemplo, os partidos têm que ter bons nomes de mulheres para colocar à disposição. Não adianta a presidenta querer. Num governo de coalizão como o nosso, se os partidos não têm essa preocupação, de nada adianta ser uma preocupação da presidenta.
Se os partidos continuam com postura machista, de predominância masculina nunca vai aparecer um nome de mulher para ser apresentado à presidenta. Ela não pode impor. Ela pode pedir, solicitar, mas ninguém apresenta nome de mulheres. Compete aos partidos apresentarem nomes que se esse nome tiver condições técnicas, o perfil adequado, ela vai receber aplaudindo.
A montagem do governo federal esbarra no machismo da própria base política?
Exatamente.  Por isso é que não somos nem 10% da Câmara Federal, e por isso que na reforma política queremos ter uma interferência grande. Aqui, na secretaria, seremos porta-voz para mudar essa realidade. Ninguém nunca poderá dizer que a presidenta Dilma não colocou mais mulheres no governo. Ninguém poderá imputar a ela essa responsabilidade. As pessoas terão que perguntar aos presidentes dos partidos quantas mulheres eles vão indicar para os cargos de segundo, terceiro, quarto e quinto escalões que estão aí para ser montados. Porque mudar a realidade das mulheres não é responsabilidade exclusiva do governo federal.

Fonte: Revista Época

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