Ou melhor, por que as mulheres são mais inteligentes que os homens? É uma pergunta que me faço há 20 anos, desde o dia em que tive uma revelação. Ao contrário de tudo o que minha família, a escola, os meios de comunicação e a sociedade haviam me ensinado (ou me levado a acreditar), constatei que pertencia ao sexo fraco. As mulheres não só eram mais inteligentes... ELAS SÃO O SEXO FORTE! Naquele dia, acho que tinha 21 anos, entrei em depressão. Lembro da minha vontade de não sair do quarto. Como faria para enfrentar e sobreviver naquele novo mundo infestado de feras com ar de sereias que me aguardava na porta da rua? Precisei de um mês para me recompor, um mês para abandonar minha visão adolescente, machista e chauvinista do mundo, e tentar começar a enxergá-lo sob a lente correta. Eu tinha perdido a fantasia de predador, membro de um gênero dominante. Mas me recusava – e ainda me recuso! – a virar presa.
As mulheres são mais inteligentes que os homens. Tenho certeza que a maioria delas concorda com esta afirmação - assim como a imensa maioria dos homens jamais o fará. Intuitivamente, as mulheres sabem que são mais espertas. Afinal, não são elas que se queixam dos homens como sendo seres “muito básicos”, “simplistas”, grossos, incapazes de realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, enquanto elas precisam (e conseguem) se dividir entre o trabalho, os filhos e o casamento? A inteligência feminina salta aos olhos. Só não vê quem não quer. Ela é perceptível na mais tenra infância. As meninas andam antes - e tiram a fralda primeiro.
Há dois traços definidores da espécie humana: a razão e a fala. Pois bem, as meninas aprendem a falar mais cedo (e, depois que aprendem, não param mais). E quanto à razão? “As mulheres aprendem mais rápido,” me disse ontem uma amiga. “Elas são mais práticas em resolver problemas.” Ao ouvir sua resposta, disse: “Você sabia que acabou de me dar uma definição bastante precisa de inteligência?”. Segundo o
“Mainstream Science on Intelligence”, um documento publicado por um grupo de acadêmicos no
The Wall Street Journal, em 1994, inteligência é “uma capacidade mental bastante geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender idéias complexas, aprender rápido e aprender com a experiência”.
Lembro de uma conversa com um professor da USP, quando ele constatou com indisfarçável pesar: “Na graduação, quase todos os melhores alunos são mulheres. Elas são também a maioria entre os ingressantes da pós-graduação. Mas a maior parte dos que defendem teses são homens. Muitas alunas trocam a pós pela maternidade.” As mulheres são mais inteligentes. Não importa quantos gênios da humanidade, todos eles homens, se enumere, a inteligência da média das mulheres será sempre maior que a da média dos homens.
A maioria dos homens jamais enxergará (ou admitirá) que ocupa um pedestal inexistente. A reação masculina é natural. Somos criados acreditando que existe um sexo forte – o nosso. Logo, por que acreditar que a realidade é exatamente oposta? Razões não faltam. Mulheres têm maior resistência à dor (ver meu filho nascer foi emocionante. E também didático. Percebi que homem algum sobreviveria a um parto). Também é ponto pacífico entre os médicos que as mulheres são mais saudáveis. Afinal, elas vivem mais, não vivem? Homens morrem mais cedo.
Por séculos, a longevidade feminina foi explicada como decorrência da sua aparente “fragilidade”. Como exemplares do sexo forte, os homens sempre se expuseram às tarefas que exigem força física e envolvem riscos, como lutar na guerra. Este mito acabou. Com o avanço da medicina e a elevação da expectativa de vida, foi ficando claro que, mantidas as mesmas condições de acesso aos serviços de saneamento, saúde e prevenção, as mulheres continuam sobrevivendo aos homens. A razão estaria na constituição genética feminina. Sob a ótica da sobrevivência da espécie, as mulheres (que nascem com cerca de 400 óvulos) são indispensáveis. Já os homens, que produzem mais de 100 milhões de espermatozóides por dia, são absolutamente descartáveis.
“Por que as mulheres são tão inteligentes? O efeito do QI maternal sobre a mortalidade infantil pode ser um fator evolutivo relevante” é o título de um
interessante artigo da revista
Medical Hypotheses. A questão que se coloca não é saber por que as mulheres são tão inteligentes, mas de que forma a seleção natural favoreceu o aumento da inteligência entre as fêmeas da espécie
Homo sapiens – que bem poderia ser chamada
Mulier sapiens (do latim
mulier)?
Os autores pertencem a uma corrente da antropologia chamada Psicologia Evolutiva – com a qual não concordo. Para tentar explicar a evolução do comportamento humano, os psicólogos evolutivos partem de um cenário que é resultado de mais de um século de descobertas arqueológicas e antropológicas. A espécie humana evoluiu na África há mais de 200 mil anos e lá permaneceu confinada até 50 mil anos atrás. Durante aqueles 150 mil anos, o Homo sapiens aprendeu a falar e aperfeiçoou seus métodos de caça até se tornar o mais eficiente predador do planeta. Só então, há 50 mil anos, nossos ancestrais saíram do berço africano para povoar o planeta. Há 10 mil anos, inventamos a agricultura e criamos as primeiras cidades.
Segundo os psicólogos evolutivos, nenhum dos quase 7 bilhões de seres humanos evoluiu para viver em cidades numa civilização global. Não houve tempo para nossa espécie se adaptar às mudanças tecnológica provocadas desde a invenção da agricultura. O comportamento humano foi forjado naqueles 150 milênios de isolamento africano, numa luta diária pela sobrevivência. Naquelas circunstâncias, dizem os autores, mulheres mais rápidas para resolver problemas e se adaptar às restrições do meio ambiente, encontrando comida, água e abrigo durante uma seca, por exemplo, teriam mais chance de garantir a sobrevivência dos filhos. Já as mulheres menos espertas teriam desaparecido sem deixar descendentes.
A seleção natural favoreceu a sobrevivência de mulheres mais inteligentes. Elas também procuravam casar com homens mais inteligentes, aqueles que poderiam assegurar a sobrevivência dos filhos. E estes, por hereditariedade, também eram inteligentes. Ao longo de milhares de gerações, defendem os autores, a inteligência feminina, mas não a masculina – somos descartáveis, lembram-se? – se tornou um traço dominante da nossa espécie. Hoje, tudo mudou. Numa civilização tecnológica não há pressão ambiental para selecionar a sobrevivência das mulheres mais inteligentes. Mas elas ainda o são.
Toda esta história faz sentido, mas a mim não convence. Os psicólogos evolutivos são deterministas demais para o meu gosto. Defendem suas teses com um fervor ideológico. Sou ateu, portanto avesso a quaisquer formas de fé ou ideologia. Defendo a teoria da evolução, e graças a ela me sinto irmanado com todas as formas de vida na Terra. Mas não acho que, mesmo inconscientemente, eu seja um caçador africano. É verdade que sou básico, às vezes meio grosso (sim, meninas, vocês têm razão), e posso ser violento. Mas definitivamente eu não sou um caçador africano. Sou um jornalista científico e um pesquisador da história da ciência. Minha formação acadêmica me leva a duvidar de qualquer afirmação científica que não possa ser testável ou reproduzida, como é o caso. Obviamente, não se pode manter um bando de gente no meio do mato por gerações para verificar se, de fato, as moças espertas prevalecerão.
É nestas horas que a formação humanista faz a diferença. Sim, as mulheres são mais inteligentes. Para mim, não se trata de ciência, mas de um fato. Para entender este belo mistério, prefiro continuar com a explicação que descobri há vários anos. Seu autor é o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855).
Kierkegaard é o filósofo do amor, um eterno apaixonado pelas mulheres. Ele dedicou a maior parte da sua obra ao desejo e à sedução. Há um livrinho intitulado O banquete ou In vino veritas (“no vinho, a verdade”, seu título original, em latim). É uma paródia do famoso Banquete de Platão, onde Sócrates e uma roda de amigos, inebriados pelo vinho após uma ceia, resolvem fazer um elogio ao belo. No caso de Kierkegaard, quatro amigos fazem um almoço no campo. Enlevados pelo vinho, decidem fazer um elogio à mulher. Cada um toma a palavra. O último, e o mais sábio, encerra o discurso. O pequeno trecho que selecionei abaixo sintetiza tudo. Grande Kierkegaard. Ele sabia das coisas.
“No principio havia só um sexo; dizem os gregos que era o sexo masculino. Dotado de faculdades magníficas, era uma criatura admirável em que se reviam os deuses; os dons eram tão grandes que aconteceu aos deuses o mesmo que por vezes acontece aos poetas que gastaram todas as forças nas criações de uma obra: tiveram inveja do homem. O pior é que tiveram receio dele; temeram que ele não estivesse disposto a aceitar de bom grado o jugo divino; tiveram medo, embora sem razão para isso, que o homem chegasse a abalar o céu. Haviam feito surgir uma força nova que lhes parecia ser indomável. A inquietação e a perplexidade dominavam então no concílio dos deuses. Mostraram-se primeiro de uma generosidade pródiga ao criarem o homem; mas agora tinham de recorrer aos meios mais violentos para legítima defesa. Os deuses pensavam que o seu poderio estava em perigo, e que não podiam voltar atrás, como um poeta que renegue sua obra. O homem já não poderia ser dominado pela força, porque se o pudesse ser, os deuses teriam facilmente resolvido o problema; e era isso precisamente o que lhes causava desespero. Era preciso cativá-lo pela fraqueza, por um poder mais fraco e mais forte do que ele, capaz de subjugá-lo. Que poder espantoso e que poder contraditório não havia de ser! A necessidade também ensina os deuses a transcenderem os limites do engenho. Pensaram, meditaram, encontraram. A nova potência foi a mulher, maravilha da criação, que aos próprios olhos dos deuses era superior ao homem; e os deuses, ingênuos e contentes, mutuamente se felicitaram pela nova invenção. Que mais poderei eu dizer em louvor da mulher? A mulher foi tida capaz de fazer o que parecia impossível aos deuses; além disso, a verdade é que desempenhou admiravelmente o seu papel; que maravilha não deve ser a mulher para conseguir tais fins! Tal foi a astúcia dos deuses. A encantadora foi dotada de uma natureza enganadora; mal encantou o homem, logo se transformou, envolvendo-o entre todas as dificuldades do mundo finito; era isso mesmo o que os deuses queriam. Que seria possível imaginar de mais fino, de mais atraente, de mais arrebatador, do que este subterfúgio dos deuses que querem salvaguardar um império, do que este processo para seduzir o homem? Tal é a realidade; a mulher é a sedução mais poderosa do céu e da terra. Comparado a ela, homem é um ente muito imperfeito.” |